Claudio Gonçalves: a arte como tema da criação. Uma produção artística se consolida à medida que o tempo vai passando e se observa que certos elementos permanecem. Existe uma saudável cristalização de características, mas isso não significa que o espaço para a inovação seja perdido. Pelo contrário, a abertura constante para novos diálogos faz a obra de arte crescer sempre. Claudio Gonçalves oferece em sua produção uma diversidade de temas que podem levar a pensar que esses caminhos não se cruzam. O que ocorre é bem diferente. Variadas vertentes acabam por se encontrar no apuro técnico e por uma coerência no acabamento esmerado e na rigorosa composição. Existe uma trajetória que tem como alguns de seus principais elementos a série desenvolvida sobre o cangaço, as imagens de bairros paulistanos, casarios, flores, xilogravuras com cenas sombrias e acuradas imagens que mostram o cotidiano dos cortadores de cana. Os principais elementos que conectam essas histórias plásticas estão na ação recíproca que o artista atinge entre a sua técnica e o assunto que se propõe a abordar; trata-se de um processo que demanda progressiva apuração. Quando se escolhe um tema, tende-se a vê-lo como um fim em si mesmo. Nada mais equivocado. O desenvolvimento de uma série geralmente é apenas um pretexto para trazer à tona uma discussão visual. Ela pode ser a composição, a cor, uma técnica diferenciada ou alguma outra manifestação que se torna mais forte num determinado momento. Se a tinta a óleo é usada na série do cangaço, discute-se também a técnica e a visão que Portinari tinha, por exemplo, da arte. Estão presentes ali questões sociais que envolvem tratar a miséria da seca e todo o épico que a vida dos cangaceiros comporta em uma saga das mais complexas da história nacional. Outro universo que impressiona é o das xilogravuras. Surgem conceitos vinculados à solidão, à bebida e a existência como uma caminhada em nada simples, pois marcada por dificuldades e agruras em suas mais diversas apresentações. Dar a essas dimensões um significativo resultado plástico constitui um imenso desafio. Mesmo quando Gonçalves se debruça sobre a cidade de São Paulo, a sua visão também é marcada pela escolha de ângulos geralmente pontuados pela riqueza do universo dos bares ou de uma cidade que pouco a pouco cede espaço para o progresso indômito. Não se trata de saudosismo, mas de escolher recortes que valorizam a passagem do tempo. Isso se torna ainda mais evidente quando é utilizada a técnica da aquarela, própria para a construção de atmosferas em que a força do passado pode ser explorada gradualmente na proporção em que são mais os menos trabalhadas determinadas áreas. Como conjunto, a obra de Claudio Gonçalves traz, como principal característica, a convicção de um fazer requintado desenvolvido pelo contato com alguns mestres e pela pesquisa constante. O saber fazer, no entanto, não funcionaria como arte, se não houvesse uma faísca de emoção em cada passo da jornada. Cada vez mais andar numa vereda plástica demanda um caminhar por dentro de si mesmo, arrancando peles e se desnudando para oferecer ao observador uma entrega, um fenômeno subjetivo, difícil de descrever, mas perceptível na sólida construção do traço e do gesto, na incisão e no uso da cor, matérias-primas do artista de qualidade. Oscar D’Ambrosio, doutorando em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Mackenzie, é mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp. Integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil).