Anna Urquiza

Só o Pó

Na obra apresentada na exposição “Entre Mundos”, o corpo feminino dividido – metade inteiro e cerzido, metade se desfazendo e alinhavado – ganha ainda mais significado quando relacionado à condição da mulher na sociedade contemporânea. A metade cerzida representa as múltiplas formas de resistência e reconstrução que as mulheres exercem diariamente. Ela simboliza a força de quem, mesmo diante de desafios e rupturas, se refaz e se mantém íntegra, costurando as próprias feridas e superando adversidades impostas por estruturas sociais, culturais e históricas. Por outro lado, a metade alinhavada, em processo de desfazer-se, evidencia a vulnerabilidade e as pressões constantes enfrentadas pelas mulheres. Essa parte sugere o quanto o feminino pode ser visto como transitório, ameaçado por desigualdades, preconceitos e expectativas sociais que frequentemente tentam desestabilizar ou fragmentar sua identidade. A costura – firme de um lado, provisória do outro – torna-se metáfora dos papéis sociais atribuídos à mulher: ora exigindo força e resiliência, ora expondo fragilidades diante de um contexto que nem sempre acolhe ou reconhece sua complexidade. Assim, a obra convida à reflexão sobre como a experiência feminina é marcada por reconstruções e desmanches contínuos, revelando a potência e a delicadeza de existir entre mundos – entre o inteiro e o inacabado, o visível e o invisível, o aceito e o questionado.